As crianças nunca recordarão o melhor dia de televisão de sempre!
Todos os anos se repete o evento: de 1 a 7 de maio, a semana livre de ecrãs encoraja pais e filhos, avós e netos, alunos e professores a desligar os aparelhos eletrónicos e ligar-se à vida real. O que começou nos Estados Unidos por ser "a semana sem televisão" é agora uma semana mais abrangente de luta contra um flagelo dos dias de hoje: a dependência de ecrãs, que ameaça a socialização dos adolescentes, dificulta o estabelecimento de rotinas essenciais ao desenvolvimento das crianças, promove o sedentarismo e a obesidade e agrava a falta de comunicação no seio das famílias.
De facto é uma questão cada vez mais atual, intensa e premente. A questão coloca-se frequentemente entre os adultos mas estes em princípio terão maturidade suficiente e recursos emocionais e cognitivos para fazer uma melhor gestão do tempo. O que preocupa atualmente cada vez mais técnicos são as crianças e o facto de os pais e cuidadores por vezes considerarem esta questão um não-assunto.
No entanto, trata-se de um problema especialmente grave em crianças com perturbações do desenvolvimento e com problemas de comportamento. O ciclo começa sempre por uma criança com dificuldade em regular-se e/ou por um adulto assoberbado pelos seus afazeres ou com baixa tolerância e disponibilidade para atender às necessidades da criança. Nesse momento, os pais ou cuidadores entregam o tablet ou ligam a televisão e acabaram-se os distúrbios, o barulho, os aborrecimentos, os disparates e as patifarias. Naquele momento fechou-se o círculo vicioso. Com um momento de sossego. Mas também se acabou o menino, que naquele momento não está a interagir, não está a aprender, mesmo com jogos didáticos sem supervisão. Não está a viver. Para se reiniciar o ciclo algum tempo depois, dependendo das regras de casa, por vezes, na pior das hipóteses, horas depois, com gritos, protestos e birras de hiperestimulação. E novamente a sensação do cuidador de estar assoberbado e de não conseguir lidar com as birras e não merecer os protestos.
O preço a pagar, porém, pelos momentos de sossego, é elevadíssimo... os problemas de comportamento avolumam-se porque são precisamente as características mais disfuncionais destas crianças que são reforçadas com o abuso de ecrãs: o imediatismo, a incapacidade de esperar pela sua vez, de esperar por uma recompensa, a capacidade de autogestão, as dificuldades de socialização.
No caso das crianças pequenas, qualquer dificuldade ao nível do desenvolvimento se agrava: as dificuldades de linguagem pioram (porque as crianças podem aprender palavras com a televisão ou os tablets, mas não aprendem a comunicar nem a construir frases - para falar são precisos dois! Pelo menos.), o desenvolvimento da coordenação motora é prejudicado pelo sedentarismo e a motricidade fina não pode ser estimulada sem treino. Os sinais e sintomas centrais do autismo agravam-se em relação direta com o tempo de exposição a ecrãs. O sono torna-se mais fragmentado e com pior qualidade se houver exposição a ecrãs nas duas horas anteriores ao deitar. A luz azul dos ecrãs inibe a produção de melatonina, a hormona crucial que despoleta o início do sono. E a excitação provocada pelas imagens em movimento leva a um aumento da resistência à hora de dormir e a que o sono seja mais agitado.
Por fim, há toda uma cultura adolescente difícil de desfazer e desmontar porque anda mesmo à volta disto. Bloggers, YouTubers, sucesso ao alcance de qualquer um que podia ser um par... novelas da vida real. E a vida real a ficar para trás...
A boa notícia é que apesar de difícil, é relativamente simples substituir estes hábitos. E por mais que as crianças protestem, o prazer de brincar sobrepõe-se literalmente a qualquer outro prazer passivo e sedentário. Basta que se introduzam rotinas e regras (contem com duas semanas mais difíceis e tudo o resto sobre rodas).
Uma boa motivação: as crianças que têm uma rotina de deitar, comer e limite de tempo de ecrãs entram na adolescência com um estilo de vida mais saudável, um peso inferior, maior sucesso escolar e melhor capacidade de socialização.
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